quinta-feira, 14 de novembro de 2013

“Antes do Passado”, quarenta e dois anos depois


Li “Antes do Passado”, da jornalista gaúcha Liniane Haag Brum. 

Trata-se de uma obra composta por uma investigação que dura uma vida, a da autora, em busca de recompor a história de seu tio paterno, Cilon Cunha Brum, dado como desaparecido político em 1971, na guerrilha do Araguaia. A pertinência do tema para a sociedade brasileira e a qualidade literária da obra foram motivos dentre os quais seu projeto fora um dos contemplados com a Bolsa FUNARTE de Criação Literária, no ano de 2010. 

Com Liniane Haag Brum (Blog). Porto Alegre, 2013.
Mais do que a recuperação do percurso histórico de Cilon Cunha Brum, o Tio Cilon, a obra revela o nascimento de uma mulher desbravadora, a presença de uma mãe firme, a ausência de alguém amado na família. Trata do vazio provocado pelo roubo que fizeram nas suas vidas e da tarefa pessoal assumida pela autora de reconstituir a história de antes. Uma história que é de cada brasileiro também.

Frente às buscas nas delegacias por notícias de familiares desaparecidos durante as perseguições por parte da ditadura militar, os arquivistas tinham uma única resposta: “Nada consta”. Nenhum dado, nenhum registro, seus nomes nem sequer constavam nas listas. Como? Liniane, em sua investigação obstinada, partindo dos poucos indícios sobre a história de Cilon, foi conhecendo do quê a ilegitimidade era capaz para se impor neste país. Ainda hoje, sem estar sob o jugo dos militares, o povo camponês do Araguaia sofre com o trauma da tortura direta do exército em busca de algumas dezenas de jovens que, entre as décadas de sessenta e início de setenta, construíam uma experiência peculiar de educação popular em meio à mata amazônica. O medo de falar sobre os acontecimentos prevalece na região. O que mudou?

O Brasil continua conservando mentiras que lhe impedem de amadurecer. “Antes do Passado” é um livro que trata da recuperação da verdade, pois muito consta para se trazer à tona nessa história.

O tempo não permitiu mais que a Vó Lóia, mãe de Tio Cilon, acompanhasse as descobertas de Liniane nas cartas a ela endereçadas. Esse é o tempo vencido de cada um. Mas há o tempo que não se vence. O tempo testemunha.
Por Angela Hofmann, nov / 2012.


 
Antes do Passado - 
O silêncio que vem do Araguaia
Liniane Haag Brum
Arquipélago Editorial
2012





quinta-feira, 7 de novembro de 2013

“Adormecida: Cem anos para sempre”

Editora 8INVERSO, 2012.
"Outro comentário muito bonito, poético, de Angela Hofmann, sobre Adormecida: cem anos para sempre. Gente, depois dizem que o leitor é receptor passivo! Jamais. O leitor sempre descobre coisas que o autor jamais pensou em dizer... seja em palavras ou em artes:"  
Paula Mastroberti  (Facebook).


Comentário para “Adormecida: Cem anos para sempre”.
Para sempre. Nem por isso igual.

O que dizer do que vejo nestes acontecimentos em mim refletidos? O que ponderar? É possível entender o porquê disto? Seria ambição demais para mim, uma simples criatura. Mas o que vejo... Ah! Isso sim! Posso afirmar que vi! Do quê em mim se insinua, mesmo que para ti, Príncipe, seja obscuro, sou testemunha fatal. Dos ciclos, da eternidade, do vazio... Quando fôra mesmo que adentraste o castelo, a caverna vaginal? Achas mesmo que a história se repetiu por causa de tua presença? Ou apesar dela? Pois que a bela renascia...

Num reino encantado nasceu um bebê, uma bela menina, que em todos despertava as melhores qualidades!  Crescia a menina, mas antes de alcançar sua maturidade foi adormecida por um feitiço implacável, devido a um dom desconsiderado. O feitiço foi lançado: teria que ferir-se num fuso! Nada vence uma feiticeira... Nada! Ninguém!, com estas palavras a feiticeira selou o destino que se consolidaria.

Príncipe, quando percebeste que os portões do castelo estavam abertos e aventastes fugir e abandonar aquela  sorte, surgiu, bem a sua frente, a possibilidade do amor. Mas o que viste era ainda uma criança, uma mulher em flor...  Não foste embora. Tu ficaste porque precisavas desta história para te libertar também. Libertaste a ti mesmo, mas não libertaste a história. O castelo continua no mesmo lugar, o tempo não foi interrompido. São cem anos, o que durará este ciclo de vida, e durará para sempre. Se a história voltava a se se repetir, como afirmavam as zelosas Fadas Madrinhas, é porque a Princesa já fora despertada dantes e tornava a ser um bebê! O castelo é destruído para quem vive o seu feitiço. Mas continua intacto até o próximo enfeitiçado. Uma história que se vive de dentro para fora.

Bela estava fadada a deixar de ser uma menina e transformar-se em tempo de espera: no fuso, a morte. A morte de quem era. Junto, vinha a promessa de reviver. A  menina se perdera, a infância morrera. Quase uma violação, o corpo que mudava pedia passagem. Assustadores instintos e forças subterrâneas invadiam o sexo. A latência se despedia.

A história não se repetirá se o feitiço for quebrado. O que é quebrar o feitiço nesse caso? Selar a vida nos lábios da adormecida integrando e sensualizando a criança? Sair do castelo assumindo tua vida real - de fato, unindo-te à mulher, tua descendência te traria poder e imortalidade. Aceitar o convite de amar até as últimas consequencias do inferno, oferecido pela feiticeira? 

A caverna está disponível, e o que ela revela é particular para cada estrangeiro, lidando com seus próprios fantasmas. Com sua própria morte. Morte do explorador, morte do andarilho para se tornar um homem. Todos estão mortos ou dormem?, tu te perguntavas. E o ciclo se repete, infinitamente, quantas vezes houver uma mulher ou um homem. Enquanto houver adormecida-bruxa e um estrangeiro-príncipe. Para ti ainda há muito que percorrer, Príncipe! Há que integrar em ti mesmo a mulher que despertaste, sem te perder em dualidades, ir além do bem e do mal.  Nem adormecida, nem bruxa. No fuso, a fusão, da menina em mulher, da ingenuidade à sabedoria. Inocentar a ti mesmo pelo fogo que te consome.

Disto “eu” sei porque reflito... me fitas todos os dias, me chamas de espelho.


Por Angela Ariadne Hofmann, dez / 2012.

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 Adormecida: Cem anos para sempre”. A ed. 8INVERSO quebra o feitiço de mais de vinte anos do livro de Paula Mastroberti, revelando a princesa contida na feiticeira: 
“meu interesse pelos contos de fadas jamais arrefeceu, nem mesmo na adolescência, etapa em que, em geral, renegamos as preferências infantis.… fui uma estudante de Artes destoante, avessa aos conceitos ainda presos a uma estética modernista nos quais eu não conseguia me encaixar.” (Paula Mastroberti).
“Adormecida: Cem anos para sempre”
Paula Mastroberti
Ed. 8INVERSO
2012