segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Crianças Guaraní




Crianças Guaraní-Mbyá - créditos


O contato com a criança Guarani provocou em mim questionamentos e verificações de um outro modo de ser infância, suscitados em seus olhares, nas relações, nas condutas e nos princípios próprios de sua cultura, que até então eu pouco ainda compreendia.

Numa sociedade indígena como a Guarani, a concepção de tempo difere, e muito, da concepção ocidental, onde lazer, trabalho, educação e religião articulam-se sem estarem separados conceitualmente, como o é ocidentalmente falando. 

Durante a pesquisa que realizei com uma escola indígena desta etnia, em Viamão-RS, aproximei-me naturalmente das crianças através da convivência e observação de suas brincadeiras. Surpreendia-me com a facilidade de absorção de uma complexidade de regras onde crianças de seis anos, por exemplo, inteiravam-se perfeitamente com outras acima de dez anos de idade. Os bebês e crianças de colo participavam das atividades das crianças maiores, sendo levadas juntas, cuidadas e acarinhadas por elas. Observando este cotidiano infantil, dei-me conta, em dado momento, que não havia a circulação de bonecas, bichos de pelúcia ou outros brinquedos industrializados entre elas - pois vira quando receberam uma doação de vários brinquedos deste tipo. A própria realidade vivida ali nos desafios infantis de cuidar, amar, brincar e explorar o mundo a sua volta fazia parte de sua história, e não o faz-de-conta de "mamãe e filhinho", que esperaríamos ver na relação entre crianças e bonecos. Cabe aqui referir a centralidade das relações de corporalidade também na aprendizagem das crianças indígenas.

Brincando com Crianças Kaingang
 1º Forinho de Porto Alegre-RS,
 Fórum Social Mundial, 2010.
Perceber a criança enquanto sujeito ativo da sociedade, contribuindo para sua mudança ou permanência, faz parte de uma nova abordagem paradigmática que remete à nascente antropologia da infância. Pensar a criança perante uma rede de complexidade, compreendendo que pouco sabemos a seu respeito, que poucos estudos tem sido realizados sobretudo na América Latina e em culturas não-ocidentais, constitui tema a ser discutido no âmbito das políticas educacionais e de gestão da educação, considerando que parte-se de um momento histórico de quebra de certezas paradigmáticas, da descentralização do conhecimento a nível cultural.

A descoberta da relativização dos conceitos de infância a partir da ótica de cada cultura se deve muito aos estudos com a criança indígena. E há hoje um conjunto de pesquisas nas áreas das ciências sociais - antropologia e sociologia - que vem apontando para a compreensão da infância como construção social distinta de cultura para cultura.


Adaptação do texto publicado originalmente em:
HOFMANN, Angela Ariadne. Pensando a infância, o novo e a tradição a partir de uma pesquisa com os guaranis, 
In: INFÂNCIAS-cidades e escolas amigas das crianças. 
Euclides Redin, Fernanda Müller e Marita Redin (Orgs.).
Editora Mediação. Porto Alegre, 2007.


LINKS
Escola Indígena de Itapuã, Viamão-RS
Galeria de Fotos da inauguração da escola da Aldeia Tekoá Pindó Mirim
Indígenas em Viamão - RS


Um comentário:

Anônimo disse...

Angela querida, fico feliz em te ver retomando o tema e a prática da relidade dos nossos indiozinhos, tão lindos e tão merecedores de atenção de nossa sociedade como todos os outros pequenos que nos rodeiam.... continuo de acompanhando amiga, com o enorme prazer de ler tua prosa tão acessível a todos nós... bejios

Adriana